Last Updated on: 15th fevereiro 2021, 03:41 pm

Pode esquecer aquela decoração padrão com peças combinadinhas, porque o apartamento do fotógrafo e artista plástico Felipe é tudo, menos óbvio. Quem conhece seu trabalho já sabe que ele não perde nenhuma oportunidade de se posicionar e expressar o que pensa em alto e bom som – seja por meio de fotografias, intervenções urbanas, cenografias e todo tipo de performance artística que lhe der na telha. Não é de se espantar, então, que sua casa seja tão autêntica: ela também é uma forma de fazer arte. 

Com uma criatividade latente e um olhar só dele, Felipe ressignifica o universo da casa e mostra que o morar pode ser muito mais divertido e libertador do que pensamos. Parece lindo e fácil quando dito assim, mas isso foi algo que ele teve que sentir na própria pele. Seu apê, herdado de uma bisavó há 20 anos, tem vista para o polêmico Minhocão, na região central da cidade. A princípio, Felipe sentia que esse não era o lugar onde gostaria de viver se tivesse escolha, mas ele brincava com o ditado ‘cavalo dado não se olha os dentes’ e seguia em frente.

Conforme os anos foram passando, porém, o fotógrafo intensificou ferozmente sua relação com o centro de São Paulo. Se antes Felipe via o Minhocão com pouco apreço, hoje ele enxerga o local como uma grande oportunidade para as pessoas se apropriarem da cidade e a tornarem mais humana. Não à toa, o artista é um dos organizadores da Associação Parque do Minhocão, que propõe que o Elevado Presidente Costa e Silva seja transformado em uma área de lazer para os paulistanos. “Minhas relações mudaram quando me mudei para cá. Meu trabalho e meu pensamento também. A relação que eu criei com meu lar é de contestação. Um paraíso no meio do caos”, ele define.

Nesses 20 anos de apartamento, outras mudanças já aconteceram, porém a arquitetura dos espaços permanece quase intocada. “A única coisa que fiz foi quebrar uma pequena parede na cozinha. O resto ficou tudo no original”, Felipe explica. O morador soube valorizar os elementos existentes, como a lareira ou os azulejos do banheiro, mas ainda assim conseguiu transformar os ambientes com suas intervenções fantásticas. Como ele mesmo diz, a decoração não foi pensada racionalmente – mais de 80% de tudo o que tem foi doado ou veio de amigos que se mudaram, gerando uma mistura espontânea e instigante.  

Algo que chama a atenção em todos os cômodos é a presença de objetos em forma de animais. Na verdade, Felipe define esse gosto como uma verdadeira obsessão: “Tenho porcelanas, abajures, pufes, vasos… tudo. Principalmente macacos”, ele fala. Em grande parte, essa fixação por figuras de bichos tem a ver com sua vontade de escapar da loucura da cidade e se reconectar com a natureza.

Mais do que qualquer outra sensação, em sua casa o fotógrafo busca estar em paz. E para isso ele possui muitos rituais, como acender incensos todos os dias, deixar o som de pássaros rolando sem parar em alto volume e cuidar das plantas com calma, já que vê-las crescer o coloca no tempo real. Outro hábito bom é se cercar de amigos queridos, que vez ou outra pintam por ali para jantares, conversas e performances. “Minha casa é um lugar onde a arte se mistura com a própria vida. Um lugar de encontros cheio de respeito e amor”.

As escolhas que Felipe faz em sua casa não são aleatórias. Além do valor artístico, elas são um meio de levantar bandeiras e de expressar o que o morador pensa. Seja a valorização das marcas do tempo, reveladas pelo papel de parede descascado; ou o reaproveitamento de objetos, como na mesa de centro feita de pneus; passando por sua luta para transformar o centro de São Paulo em um lugar melhor – aliás, o Brasil como um todo. E se tiver que começar por algum lugar, que seja pela nossa casa. * Deu vontade de conhecer o apê completo? Tem mais detalhes no Capítulo 2, não perca!

Fotos por Rafaela Paoli

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